Todos nós sabemos da importância de falar (conversar) para a eficácia no tratamento de diversas doenças e transtornos mentais. Mas, e quando existem dificuldades no tratamento em decorrência da falta de comunicação? O objetivo deste artigo é chamar atenção para uma população pouco estudada no que se refere aos fatores de risco e prevenção ao suicídio: os surdos.

Falar sobre suicídio ainda é bastante desafiador porque ainda é um tabu. Paira sobre o suicídio um grande pacto de silêncio; as pessoas não falam sobre isso porque tem vergonha e medo de sua dor de alma ser julgada, o que aliás, normalmente, acontece; e, quando um suicídio acontece, as instituições não falam por medo de arranharem sua imagem institucional. Entretanto, é necessário permanecer na luta para quebrar as barreiras e proporcionar uma sociedade inclusiva para todos.

É consenso entre os especialistas que em Prevenção ao Suicídio: “Falar é a melhor solução!”. A comunicação, portanto, tem um papel fundamental em estratégias preventivas.

Todo ser humano precisa se comunicar para ser compreendido por outro ser humano e pela sociedade. A limitação auditiva tem seu processo comunicativo prejudicado quando não é possível explorar aspectos da comunicação com o outro. Pessoas surdas sofrem preconceitos e encontram barreiras todos os dias. Um exemplo: uma pessoa ouvinte entra numa padaria e pede: “Eu quero uma média bem clarinha”, ela será servida de acordo com seu desejo; por outro lado, se um surdo fizer o mesmo pedido, muito provavelmente, lhe será servido um café com leite, de acordo com os critérios de quem o atende, e não de acordo com seu desejo. A surdez pode ter repercussões gravíssimas, não apenas na questão da redução da comunicação e compreensão, mas também pode levar ao isolamento e mesmo à exclusão social, aumentando, por conseguinte, o risco para o adoecimento mental, que leva muitas ao isolamento social, podendo se tornar mais propensas à depressão do que aqueles que ouvem. Esses fatores aumentam o risco de suicídio nessa população.

Dificuldades de comunicação são um dos principais e mais recorrentes obstáculos vividos pelas pessoas surdas.

Um estudo feito pela professora Ester Vitória Basílio Anchieta, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), afirma que: “Estudos norte-americanos descobriram que, se comparados a indivíduos ouvintes, surdos têm maiores taxas de transtorno psiquiátrico, ao mesmo tempo que enfrentam dificuldades para acessar serviços de saúde mental”.

Chama a atenção que no Brasil existem poucos estudos sobre o acesso da população surda aos serviços de atenção básica, que mostram o impacto do comportamento suicida nessa população. O que se sabe com certeza é que os Centros de Apoio Psicossocial (CAPS) e o próprio SUS são inacessíveis para a população surda, sendo este um fator impeditivo de acesso à saúde mental pública a esse grupo populacional.

Outra grande dificuldade na Prevenção ao Suicídio em surdos é a escassez de profissionais que dominem a Língua Brasileira de Sinais (Libras) e a pouca quantidade de TILS (tradutores intérpretes de línguas de sinais).

Libras não é só uma língua, mas a forma de manifestação da cultura surda. Vale ressaltar que os surdos são tão capazes quanto qualquer outra pessoa, apenas encontram dificuldades em seu desenvolvimento em decorrência da falta de comunicação imposta por uma sociedade que muitas vezes não sabe aceitar e conviver com essas diferenças.

Num estudo feito por Magrini e Santos (2014), verificou-se que 97% dos técnicos de saúde não estão preparados para o atendimento de usuários surdos de maneira adequada. Suponho que os índices sejam próximos desse em outros ambientes como a escola, por exemplo.

A Prevenção ao Suicídio se apresenta como um grande desafio tanto para a família (que, em alguns casos, sequer se comunica com o filho surdo) e para os profissionais, quanto para o próprio surdo.

Melhorar a comunicação é sem dúvida uma estratégia importante para um melhor acolhimento e atendimento. Outra estratégia importante é a inclusão de Libras como disciplina curricular nos cursos de graduação, sobretudo na área da saúde, e a capacitação dos profissionais em Libras.

Outra sugestão é que todos os envolvidos – familiares, escola, profissionais de saúde – busquem conhecimento sobre a cultura e a língua do surdo, não somente o domínio de Libras; isso ajudaria o surdo a aprimorar a expressão e a compreensão das dores e dos sofrimentos emocionais vividos por essa população. Tudo isso para que o surdo tenha cidadania e seja, como todo cidadão, ouvido, acolhido e tratado com dignidade, para que sejam incluídos em todas as esferas, não sejam alvos de preconceito, tenham uma saúde integral e qualidade de vida. Pois a vida é um aprendizado que sempre vale a pena.

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REFERÊNCIAS

ANCHIETA, E. V. B. Suicídio e surdez: A saúde mental não acessível. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, São Paulo, v. 6, n. 6, p. 1-13, 2020.

MAGRINI, A. M.; SANTOS, T. M. M. Comunicação entre funcionários de uma unidade de saúde e pacientes surdos: um problema? Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 26, n. 3, p. 550-558, 2014. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/dic/article/view/14880. Acesso em: 10 dez. 2020.